fonte: O Globo
por Alfredo Guarischi, médico.
A documentação adequada aumenta a eficiência e a segurança no sistema de saúde, porém os prontuários eletrônicos atualmente comercializados ainda causam inúmeros problemas, pois não são a solução para uma assistência adequada.
Recentemente, duas importantes revistas – Harvard Business Review e The New Yorker – publicaram matérias sobre o desperdício de bilhões de dólares com essa tecnologia nos EUA, que resultou em grande aumento dos custos e pouco impacto na qualidade do atendimento médico.
Vamos aos fatos.
Os burocratas hospitalares e de planos de saúde veneram a ideia, afinal ficam livres de caligrafias inadequadas e têm gratuitamente uma qualificada equipe de faturistas. Sim, a equipe de saúde é que preenche, de forma indireta, a fatura de exames, medicamentos e procedimentos.
Médicos, enfermeiros e demais profissionais disputam computadores sempre ocupados, deixando estetoscópios e termômetros abandonados. Nos EUA, estudos demonstram que cada hora com um paciente pode gerar até duas horas no cuidado de formulários, que preterem a informação científica em favor da “perfeita” cobrança pelo serviço prestado e salvaguardas contra eventuais demandas jurídicas. “Tudo tem que ser bem documentado, entendeu?”
As pessoas inicialmente se empolgam com as possibilidades propostas pela informática, depois passam a depender dela, e, finalmente, um sistema informatizado passa a controlar sua atividade profissional, aprisionada por grilhões burocráticos.
Na maioria dos hospitais brasileiros, públicos e privados, ainda é preciso imprimir e assinar manualmente tudo, com um enorme gasto de papel. O volume dos prontuários aumentou, em vez de diminuir. Uma maldade com a natureza.
Pesquisadores norte-americanos sugerem que isso pode estar contribuindo para a crescente insatisfação de pacientes e médicos, pois, em média, esses são obrigados a perder 70% de seu tempo grudados em teclados e mouses.
No Brasil, nas últimas décadas, o Ministério da Saúde gastou uma fortuna para tentar implantar um prontuário eletrônico único para o SUS. Um desastre científico e econômico. Foram várias as firmas contratadas que tinham a “solução” para o problema. Todas falharam, por diversas razões, mas claramente não ouviram adequadamente seus usuários – pacientes e profissionais de saúde.
A medicina, composta de muitas partes interconectadas e de várias camadas, é um sistema adaptativo complexo que evoluiu de forma variável. Um prontuário eletrônico precisa ser simples e desenvolvido de forma plural. A tecnologia deve servir à medicina, e não o inverso. Esse é o ponto central do problema, que não poupa os hospitais privados.
As fraudes e a corrupção estão entre os maiores problemas do sistema público de saúde. Adaptar a enorme experiência em tecnologia da Receita Federal seria uma forma menos onerosa de combatê-las. Assim, os profissionais de saúde teriam mais tempo para que seus olhos, ouvidos e mãos fiquem “grudados” aos pacientes.